Cibersegurança nas Autarquias Locais. Lições e Recomendações para Portugal

O Desafio Invisível das Nossas Cidades

Numa qualquer manhã de outono em Lisboa, enquanto o sol brilha nas águas do Tejo e os lisboetas apressavam-se para mais um dia de trabalho cheio de rotina e monotonia, um ciberataque silencioso paralisava os sistemas informáticos de uma qualquer câmara municipal do interior do país. Durante horas, serviços essenciais, desde o agendamento de consultas médicas até ao processamento de licenças de construção, ficaram inacessíveis. Não houve alarme sonoro, nem sirenes. Apenas ecrãs pretos e a frustração de cidadãos e funcionários.

Este cenário, cada vez mais comum, não é ficção. É a realidade que muitas autarquias portuguesas podem enfrentar, se não agirem já.

A cibersegurança nas administrações locais é um tema que, apesar de crítico, ainda não recebe a atenção que merece em Portugal. Num mundo onde as cidades se tornam “inteligentes” e os serviços públicos migram para plataformas digitais, a vulnerabilidade a ataques cibernéticos aumenta exponencialmente. Mas o que nos diz a experiência internacional? Quais as lições que Portugal, e em particular as suas PMEs e autarquias, podem tirar de estudos como o recentemente publicado na Urban Governance sobre os desafios de cibersegurança em governos locais?

O Que nos Diz a Evidência Global?

Um estudo sistemático realizado por investigadores da Queensland University of Technology (Hossain et al., 2024) analisou 53 artigos científicos sobre cibersegurança em autarquias locais. Os resultados são claros, os principais desafios são a falta de recursos financeiros, vulnerabilidades tecnológicas, fatores humanos e enquadramentos regulatórios inadequados. Em Portugal, onde muitas câmaras municipais operam com orçamentos apertados e equipas reduzidas, estes desafios ressoam com particular urgência.

Os Quatro Pilares dos Desafios

Quando falamos de cibersegurança nas autarquias locais, não estamos a discutir apenas firewalls ou antivírus. Estamos a falar de pessoas, processos, tecnologia e visão estratégica, ou, muitas vezes, da falta deles. Uma realidade que, em Portugal, se repete como um eco, as nossas câmaras municipais, juntas de freguesia e serviços públicos locais estão expostas não por falta de ameaças, mas por uma combinação de descuidos, limitações e, acima de tudo, uma cultura que ainda não interiorizou que a segurança digital é tão vital quanto a segurança física.

Vamos desmontar estes desafios como quem abre uma caixa de ferramentas enferrujadas, e perceber porque é que, sem ação, eles nos deixam vulneráveis a cada clique, a cada email, a cada sistema desatualizado.

Desafios de Política e Regulação

Imagine uma autarquia onde não há um manual de instruções para trancar as portas à noite. Onde ninguém sabe ao certo quem é responsável por verificar se as janelas estão fechadas. Onde, quando um ladrão entra, a primeira reação é olhar para os lados e perguntar, “Quem é que trata disto?”.

É assim que muitas autarquias portuguesas lidam com a cibersegurança.

  • Falta de políticas documentadas de cibersegurança.
  • Visibilidade limitada da cibersegurança dentro das organizações.
  • Suporte político e burocrático insuficiente.

Desafios de Recursos e Infraestrutura

Portugal tem autarquias com orçamentos apertados, onde cada euro é disputado entre iluminação pública, limpeza urbana e… cibersegurança. O resultado? Sistemas informáticos que parecem saídos dos anos 90, equipas reduzidas e uma mentalidade de “se não está partido, não se mexe”.

  • Orçamentos reduzidos para investimento em segurança.
  • Sistemas tecnológicos obsoletos.
  • Escassez de profissionais especializados.

Importante: Um relatório da ENISA (Agência Europeia para a Segurança das Redes e da Informação) revela que 60% dos ataques a autarquias europeias exploram vulnerabilidades conhecidas há mais de dois anos. Ou seja, falhas que já tinham correção disponível, mas que ninguém aplicou.

Desafios Comportamentais e de Responsabilização

A tecnologia mais avançada do mundo não serve de nada se quem a usa não sabe, ou não liga, para os riscos.

  • Falta de responsabilização dos utilizadores finais.
  • Cultura reativa (em vez de proativa) face a ameaças.
  • Colaboração insuficiente entre departamentos.

“Isso não vai acontecer connosco”, a mentalidade de que ciberataques são coisa de grandes empresas ou de filmes de Hollywood ainda persiste. Até acontecer. E quando acontece, a reação é de pânico, não de preparação.

Desafios Técnicos e Operacionais

Os hackers não dormem. E enquanto as autarquias discutem orçamentos, eles inovam, adaptam-se e atacam com ferramentas cada vez mais sofisticadas.

  • Sofisticação crescente das ameaças cibernéticas.
  • Falta de conhecimento sobre ambientes virtuais.
  • Dificuldades em obter certificações de segurança.

Lições para Portugal, O Que Podemos Fazer?

Priorizar a Cibersegurança como Investimento, Não como Custo

Muitas autarquias portuguesas veem a cibersegurança como um encargo financeiro, não como um investimento na resiliência dos serviços públicos. O estudo recomenda:

  • Realocar orçamentos, mesmo com recursos limitados, é possível priorizar áreas críticas, como a proteção de dados sensíveis de cidadãos.
  • Parcerias público-privadas, colaborar com empresas de tecnologia e universidades para acesso a ferramentas e conhecimento especializado.
  • Ferramentas open-source, utilizar soluções gratuitas ou de baixo custo, como o OSSEC (para deteção de intrusões) ou o Wazuh (para monitorização de segurança).

Formação e Conscientização: A Primeira Linha de Defesa

Os funcionários públicos são frequentemente o elos mais fraco na cadeia de segurança. Ações concretas:

  • Programas de formação contínua, workshops regulares sobre phishing, gestão de passwords e boas práticas digitais.
  • Simulações de ataques, testar a resposta dos funcionários a tentativas de phishing ou ransomware.
  • Cultura de cibersegurança, incentivar a denúncia de atividades suspeitas sem medo de represálias.

Modernizar Infraestruturas com Soluções Acessíveis

Não é necessário reinventar a roda. Estratégias realistas:

  • Atualizações incrementais, substituir gradualmente sistemas obsoletos, começando pelos mais críticos.
  • Autenticação multifator (MFA), implementar MFA em todos os acessos remotos e sistemas sensíveis.
  • Backup automatizado, garantir cópias de segurança regulares e testadas de dados essenciais.

Colaboração e Partilha de Recursos

As autarquias não estão sozinhas. Iniciativas coletivas:

  • Redes regionais de cibersegurança, partilhar conhecimentos e recursos entre municípios, como já acontece em países como a Holanda.
  • Parcerias com academia, universidades portuguesas podem oferecer apoio técnico e formação.
  • Participação em projetos europeus, fundos como o Horizon Europe financiam iniciativas de cibersegurança para cidades inteligentes.

Enquadramento Legal e Políticas Claras

Portugal já deu passos importantes com a Lei de Cibersegurança (Lei n.º 46/2018), mas a sua aplicação nas autarquias é desigual. Recomendações:

  • Auditorias regulares, avaliar periodicamente a conformidade com a lei e normas como o RGPD.
  • Planos de resposta a incidentes, definir protocolos claros para atuar em caso de ataque, incluindo comunicação com cidadãos.
  • Transparência, informar os cidadãos sobre medidas de proteção e riscos, fortalecendo a confiança.

O Papel das PMEs Portuguesas

As pequenas e médias empresas portuguesas desempenham um papel fundamental como aliadas estratégicas das autarquias, não só na prestação de serviços essenciais, mas também no desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras e acessíveis que respondam aos desafios da cibersegurança local. Para isso, podem criar pacotes de serviços de segurança adaptados aos orçamentos apertados dos municípios, desenvolver ferramentas de monitorização, formação e proteção de dados específicas para o setor público, e integrar consórcios colaborativos que reunam autarquias, empresas e instituições de ensino, transformando assim a sua proximidade com as comunidades numa vantagem competitiva na construção de um ecossistema digital mais resiliente.

Um Futuro Seguro é um Futuro Colaborativo

A cibersegurança não é um problema técnico, é um desafio social e organizacional. Em Portugal, onde a proximidade entre autarquias, PMEs e cidadãos é uma vantagem, podemos construir um modelo de resiliência baseado na colaboração, na formação e na inovação acessível.

A cibersegurança nas nossas autarquias pode parecer um horizonte distante, mas cada passo, cada formação, cada atualização, cada parceria, aproxima-nos de um futuro onde os serviços públicos são tão seguros quanto essenciais.

Há verdades que só se revelam a quem escuta com o peito aberto. E a verdade aqui é clara, ou agimos agora, ou pagaremos o preço mais tarde.

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