Quando pensava na relação do Estado atual com o cidadão, para escrever este artigo, perdi a conta ao número de palavras que não posso escrever, nem repetir, #$!%&!#$!%&, e que apareciam no mar de ideias, que borbulham na minha mente quando penso, muitas vezes sem que eu perceba logo de imediato a relação entre todas as associações que faço.
Sou uma pessoa educada. Por isso, sinto uma necessidade à qual não consigo resistir de explicar a razão pela qual pensei palavras impronunciáveis, #$!%&!#$!%&, sobre a fiscalidade em Portugal. Não são palavras habituais no vocabulário que uso, nem sequer quando apenas penso. Mas, sem a presença de terceiros, sozinho comigo mesmo, aceitei resignado que não existiam palavras mais adequadas para descrever a relação entre o Estado atual e o cidadão.
A relação de causa e efeito é fácil de identificar. Todas as emoções negativas que sinto, quando penso calado nos impostos que pago ao Estado, são uma consequência da percepção que tenho sobre a estado de governação deste país.
Não lamento pagar impostos.
- Lamento que a diferença entre ricos e pobres seja cada vez maior.
- Lamento o desemprego.
- Lamento um modelo de desenvolvimento baseado em salários baixos.
- Lamento a falta de informação e transparência sobre subsídios públicos e a consequente falta de igualdade no acesso aos mesmos.
- Lamento a corrupção na Política e as redes de interesses no Parlamento.
- Lamento a falta de nojo dos políticos, que defendem os interesses do Estado em contratos com empresas, para mais tarde aceitarem trabalhar para essas mesmas empresas a troco de ordenados obscenos.
- Lamento as rendas consequentes e os investimentos públicos que não servem o bem comum.
- Lamento os políticos que prometem tudo, como se existissem impressoras 3D capazes de imprimir ouro, diamantes e petróleo grátis.
- Lamento o poder abusivo dos sindicatos dos funcionários públicos.
- Lamento a organização dos partidos políticos, que favorece a eleição de políticos profissionais, licenciados já depois dos 30, sem currículo e experiência profissional, para além das JOTAS, mas com o discurso fácil de quem subiu a escada do poder a prometer tudo, a distribuir lugares e a mentir sem vergonha.
- Lamento que a formação profissional, subsidiada com fundos públicos, não esteja orientada para o mercado de trabalho, mas para beneficiar sindicatos, partidos políticos e interesses privados.
São Tomás de Aquino, santo da Igreja Católica, escreveu, em poucas palavras, a minha ideia sobre este Estado, nas palavras dele:
“que são os reinos senão grandes latrocínios? Pois, por seu lado, que são os latrocínios senão pequenos reinos?”
São Tomás de Aquino
As redes de interesses que dominam a política nacional comem tudo e não deixam nada.
Mas, se não lamento pagar impostos, perguntei a mim mesmo, sem saber a resposta, se pagamos demasiados impostos?! É fácil usar a ideia de fadiga fiscal para protestar contra uma carga fiscal excessiva e abusiva. Parece até escravatura:
- O cidadão trabalha. Paga IRS ao Estado.
- O cidadão compra casa. Paga IMT ao Estado.
- O cidadão comprou casa. A casa é dele? Não. Paga IMI ao Estado.
- O cidadão compra comida. Paga IVA ao Estado.
- O cidadão compra carro. Paga ISV e Imposto Único de Circulação ao Estado.
- O cidadão usa o carro. Paga portagem ao Estado.
- O cidadão morre. Não paga nada. Morreu.
- Mas, os herdeiros do cidadão pagam Imposto De Selo ao Estado.
Vamos analisar dados estatísticos e comparar com os restantes países da União Europeia.
Tenho dados estatísticos de 2012, do Instituto Nacional de Estatísticas. Em Portugal, a carga fiscal correspondeu a um rácio de 32.4% do PIB, inferior à média da União Europeia, cujo rácio é de 39.7%. O aumento de impostos desde 2012 aproximaram o rácio português da média europeia, com 34.9% em 2013. Mas, em 2012, apenas 6 países tinham um rácio inferior: a Lituânia, a Bulgária, a Letónia, a Eslováquia, a Roménia e a Irlanda.
Porque razão é que sentimos esta sobrecarga fiscal, se cobramos menos impostos que a maioria dos países da União Europeia, quando comparamos o rácio entre o valor da carga fiscal e o PIB de cada país?
Os dividendos distribuídos pelas empresas nacionais, as mais valias realizadas na alienação de acções e os juros de depósitos e as rendas são sujeitos a uma taxa liberatória de 28%.
Se compararmos com o IRS de 2014, verificamos que os sujeitos passivos com um rendimento até 7000 Eur estão sujeitos a uma taxa normal de 14,50%, entre 7000 e 20000 Eur de 28,50%, entre 20000 e 40000 Eur de 37%, entre 40000 e 80000 Eur de 45% e mais de 80000 Eur de 48%. As taxas médias são menores.
A fadiga fiscal deve-se ao facto da tributação da riqueza criada através do trabalho, incluindo o trabalho de trabalhadores por conta de outrem, empresários, profissionais liberais, sócios de micro, pequenas e médias empresas, ser substancialmente superior à tributação da riqueza proveniente de dividentos, mais valias, juros e rendas.
E a lista de clientes portugueses do banco HSBC, na Suiça? Pagaram impostos?!
O princípio constitucional da progressividade da tributação dos rendimentos é constantemente violado. Mais de metade das receitas são baseadas em impostos indiretos, como o IVA e os impostos sobre veículos, tabaco e combustíveis, que não são impostos progressivos.
As pessoas mais ricas não pagam impostos ou pagam uma taxa normal muito inferior à taxa que pagariam se o rendimento dos dividendos, das mais valias, dos juros e das rendas fosse englobado. Esse facto contribui para que a desigualdade da distribuição de riqueza seja cada vez maior.
Não se trata dum evento sem consequências. Existe um estado de equilíbrio social que requer uma distribuição justa dos rendimento. Não considero que uma distribuição igualitária seja justa. O mérito e o trabalho devem ser premiados e valorizados. Mas, quando a distribuição de rendimentos aumenta continuamente o fosso entre pobres e ricos, a sociedade perde esse equilíbrio social, deixa de poder resolver os conflitos de interesses através do diálogo e perdemos um valor muito importante que é a paz social.
Imagine viver numa cidade mexicana dominada por cartéis de droga. Ou na Venezuela. Em 2013, ocorreram 122 homicídios por 100 000 habitantes, na cidade de Caracas. Ou no norte do Paquistão, onde a liberdade é limitada pelo código moral gravado no Charia e pelo chicote dos Taliban.
Já imaginou o rapto do seu filho ou do seu neto por profissões ilegais, que brotam como cogumelos nos guetos da pobreza, nas sociedades onde a diferença entre ricos e pobres é muito grande? Ou ser assaltado na rua e levar um tiro na cabeça?
A questão aqui não é apenas sobre a sua vida. É sobre a vida de todos aqueles que vivem na mesma sociedade que você. Se a vida dos mais pobres tiver pouco valor para si, nas ruas das cidades onde você terá que viver com a sua família, a sua vida valerá o resgate que a sua famĺia estiver disposta a pagar por ela. Ou nem isso.
Portanto, pense muito sobre o valor que você atribui à vida dos outros, antes de lamentar o valor que os outros atribuem à sua vida.
Ionline:
As autoridades venezuelanas estão a investigar o homicídio a tiro de um comerciante luso-descendente de 20 anos, ocorrido em La Tahona, arredores de Caracas, disseram hoje várias fontes policiais à agência Lusa.
Segundo as fontes, Víctor Manuel Vieira Vieira foi assassinado pelas 15:00 de domingo (20:30 em Lisboa) por dois indivíduos armados que tentaram roubar-lhe uma bolsa que tinha à cintura, numa loja de venda de fruta propriedade da família.
Correio Da Manhã:
Um lusodescendente de 34 anos foi assassinado a tiros por motociclistas armados, em Caracas, capital da Venezuela, disseram esta segunda-feira à Lusa fontes da comunidade portuguesa. Segundo várias fontes contactadas pela Lusa, o homicídio ocorreu no domingo, na Avenida Principal de Caurimare (leste de Caracas), quando a vítima, Igor Alexandre de Sousa, estava a estacionar o carro para abrir a farmácia Provemed, onde trabalhava enquanto gerente.
TVI24:
As autoridades venezuelanas encontraram partes de um homem que foi esquartejado por desconhecidos, elevando para dois os assassinatos deste género em Caracas nas últimas duas semanas, o primeiro deles o de um comerciante português.
As mãos da vítima, a cabeça e parte dos membros inferiores, entre elas o fémur, foram encontradas forradas com plástico, envolvidas em roupa de homem e colocadas em três bolsas de diferentes cores (cor-de-rosa, azul e castanho), junto de um arbusto, nas proximidades de um quiosque de revistas, em Caracas.
Portugal não é assim? O Portugal dos seus filhos e dos seus netos será o Portugal que você hoje decidir.
Eu desejo viver numa sociedade justa e feliz. O tema é complexo, dado que não é fácil encontrar uma equação simples para premiar o mérito e o egoísmo, estimular a concorrência, a competitividade, a produtividade e o crescimento económico e, ao mesmo tempo, valorizar a igualdade e o altruísmo, penalizar a preguiça e incentivar a solidariedade e a cooperação.
Temos que desconstruir o ato de cobrar impostos e recriar um consenso social sobre impostos e sobre o Estado e a sociedade que queremos para Portugal.
Nesse processo, precisamos com urgência de dissociar a cobrança de impostos da lascívia e da gula dos políticos e dos grupos de interesses.