A agulha da máquina de costura não para, mas o coração das trabalhadoras da fábrica New Wide Garment, em Kitengela, acelera a cada notícia que chega. Elas usam máscaras laranjas, coletes de segurança e olhares preocupados. Nas suas mãos, não estão apenas tecidos e linhas, mas o futuro de famílias inteiras. E esse futuro, hoje, está pendurado por um fio, o fim do AGOA, um acordo comercial que, por 25 anos, permitiu que produtos africanos entrassem nos Estados Unidos sem pagarem taxas aduaneiras.
Desde a meia-noite de 30 de setembro, esse acordo expirou. E com ele, o sonho e sustento de centenas de milhares de pessoas em África.
O que é o AGOA?
O African Growth and Opportunity Act (AGOA) foi criado em 2000 pelo governo dos Estados Unidos com um objetivo simples, estimular o comércio entre África e os EUA, ajudando países africanos a exportarem os seus produtos sem pagarem impostos de importação. Durante 25 anos, isso significou que roupas, calçados, vinho, frutas cítricas e muitos outros produtos africanos chegavam ao mercado americano a preços competitivos.
Para se ter uma ideia, em 2023, África exportou 9,7 mil milhões de dólares em produtos para os EUA graças ao AGOA. Países como o Quénia, a indústria têxtil, que emprega principalmente mulheres, cresceu à sombra desse acordo. Empresas como a United Aryan, que fornece para gigantes como a Walmart e a Target, construíram fábricas e contrataram milhares de trabalhadores com a promessa de acesso preferencial ao mercado americano.
Mas agora, com o fim do AGOA, tudo mudou.
Da noite para o dia, qualquer produto que você vende passa a custar 30% mais caro. É isso que está a acontecer com os produtos africanos, um golpe fatal para indústrias que já operam com margens apertadas.
E não é só no Quénia, na África do Sul, por exemplo, a indústria de produtos automoveis já viu as suas exportações para os EUA despencarem 83% este ano, devido a tarifas impostas pelo governo Trump. O vinho sul-africano, outrora um sucesso nos EUA, agora é tão caro que os produtores estão a procurar novos mercados, como o Canadá e a China.
Por que o AGOA acabou?
A resposta está do outro lado do Atlântico, em Washington, apesar de haver apoio bipartidário (ou seja, tanto de democratas como de republicanos) para renovar o AGOA, a política americana está paralisada.
O governo de Joe Biden não conseguiu aprovar a extensão do acordo antes do prazo, e agora, com a administração de Donald Trump, as coisas complicam-se. Trump tem uma política comercial agressiva, baseada em tarifas elevadas e acordos bilaterais, ou seja, negociações diretas com cada país, em vez de programas continentais como o AGOA.
Em junho, a China anunciou que eliminaria todas as tarifas para 53 dos 54 países africanos. Um golpe estratégico, enquanto os EUA hesitam, a China avança. Chris Coons, senador democrata, alerta, “Se não renovarmos o AGOA, a China não hesitará em ocupar o nosso lugar.”
O AGOA não era perfeito, apesar dos 25 anos de vigência, a fatia de África nas importações americanas até diminuiu. Mas para muitos países, era uma tábua de salvação.
Sem ele, centenas de milhares de empregos estão em risco. Empresas que investiram milhões em fábricas e formações de trabalhadores podem fechar. E a China, que já é o principal parceiro comercial de África, ganha ainda mais influência.
O governo Trump disse esta semana que apoia uma extensão de um ano do AGOA. Mas isso pode não ser suficiente. As empresas precisam de certeza para investir, e uma renovação anual não dá segurança.
Enquanto isso, em Kitengela, as costureiras continuam a trabalhar, mas o medo está estampado nos seus rostos. Elas sabem que, sem o AGOA, as máquinas podem parar a qualquer momento.
Uma resposta
Excelente artigo, obrigado.
EUA precisa do AGOA, acredito que será renovado por mais de um ano.
É uma boa política para os EUA, para os grandes retailers, é uma boa política para as empresas Africanas que conseguem empregar gente. Não há prejuízo para nenhuma das partes!