Donald Trump voltou a jogar com fogo. Desta vez, o palco é o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, e a aposta é nada menos do que o futuro do comércio global. “Os EUA não sobreviverão sem tarifas”, declarou, enquanto do outro lado da barricada, pequenas e médias empresas americanas gritam: “Nós não sobrevivemos com elas.” O que parece um duelo retórico é, na verdade, um aviso urgente para quem faz negócios em Portugal.

O caso agora em análise não é apenas uma disputa jurídica. É um sismo geoeconómico, cujas réplicas vão chegar às fábricas de calçado do Norte, às adegas do Alentejo e aos estaleiros navais de Aveiro. E o pior? Ninguém está a falar disso.
O Que a Ciência Económica Diz (e Trump Ignora)
Um estudo recente do National Bureau of Economic Research (NBER), “Tariffs and Trade Deficits” (Caliendo, Kortum & Parro, 2025), desmonta a narrativa de Trump com dados e modelos rigorosos. Os autores, economistas de Yale e Rochester, simulam o impacto de tarifas como as que o ex-presidente quer impor. As conclusões são devastadoras.
As tarifas reduzem o défice comercial americano… mas a que custo?
Sim, os EUA importarão menos. Mas o preço desse “sucesso” será pago pelos consumidores e empresas: os preços internos disparam (até 4,4%), e o consumo real cai (até 2,7%). Em termos práticos: os americanos ficarão mais pobres, mesmo que o país “ganhe” na balança comercial.
Quem realmente beneficia? Os concorrentes dos EUA.
Países como China, México ou Canadá, que hoje têm superavit comercial com os EUA, podem até aumentar o seu consumo real após as tarifas. Porquê? Porque, ao verem as suas exportações caírem, usam as poupanças acumuladas para manter o bem-estar interno. Trump está a dar um tiro no pé da economia americana.
E a Europa (e Portugal)?
Aqui, a história é de risco e incerteza. Se a UE retaliar, como é provável,, setores como o vinho, o azeite ou o calçado português podem tornar-se alvos. Mas há um detalhe crucial: Portugal não é um mero espectador. Somos parte de uma UE que, se jogar bem as suas cartas, pode sair reforçada desta crise.
Portugal no Olho do Furacão, Três Ameaças e Uma Saída
O Efeito Dominó nos Custos
Muitas PMEs portuguesas dependem de matérias-primas ou componentes que passam pelos EUA ou pela Ásia. Se as tarifas aumentarem, os custos sobem, e as margens evaporam. Exemplo: Uma fábrica de móveis em Paços de Ferreira que importa madeira da China e exporta para os EUA pode ver os seus lucros desaparecer da noite para o dia.
A Retaliação que Vem aí
Se a UE responder com tarifas sobre produtos americanos, Portugal, como membro da UE, será arrastado para a batalha. Setores como o vinho do Douro ou o azeite alentejano podem tornar-se alvos fáceis. E não é só uma questão de tarifas: é uma questão de instabilidade. Como planear investimentos quando amanhã tudo pode mudar?
A Incerteza que Paralisa
O pior para as PMEs não são as tarifas em si, mas a imprevisibilidade. Empresários não investem, não contratam, não inovam quando o futuro é uma incógnita. E isso trava a economia.
Oportunidade Escondida
Mas nem tudo são más notícias. Esta crise pode ser um catalisador para a reinvenção:
Mercados alternativos: África (especialmente os PALOP), América Latina e Médio Oriente estão a crescer e são menos voláteis.
Produtos de alto valor: Em vez de competir em preço, competir em qualidade, design e sustentabilidade, áreas onde Portugal brilha.
Parcerias europeias: Unir forças com PMEs de outros países da UE para criar cadeias de valor resilientes e independentes dos caprichos de Washington.
O Que Podem Fazer as PMEs Portuguesas?
Num mundo onde as regras do comércio mudam da noite para o dia, as pequenas e médias empresas portuguesas não podem ficar à espera que a tempestade passe. A chave está em agir antes que a crise bata à porta. Começa por fazer um raio-X ao negócio, quanto da sua produção depende de matérias-primas ou componentes importados dos EUA, da China ou de outros países em risco? Quais os clientes mais expostos a retaliações ou a flutuações de preços? Estas perguntas não são retóricas, são o mapa das vulnerabilidades que precisam de ser enfrentadas já. Diversificar não é uma opção, é uma necessidade. Procurar fornecedores na Turquia, em Marrocos ou na Europa de Leste pode parecer um desafio logístico, mas é um seguro contra o encarecimento repentino de insumos. Ao mesmo tempo, explorar novos mercados, como Angola, Moçambique ou o Brasil, não é apenas uma estratégia de crescimento, mas uma forma de reduzir a dependência de regiões instáveis. A AICEP e outras entidades oferecem apoio concreto para quem quer dar este passo, mas é preciso ousadia para sair da zona de conforto.
No entanto, a verdadeira resiliência não vem só da geografia, vem do valor que se oferece. Produtos com história, como o vinho do Douro, a cortiça ou o azeite alentejano, não competem apenas por preço, competem por autenticidade e qualidade, algo que as guerras comerciais não conseguem erodir tão facilmente. Investir na marca, na inovação e na sustentabilidade não é um gasto, é um escudo. Por fim, num mundo onde as decisões políticas em Washington ou Bruxelas podem mudar o jogo da noite para o dia, manter-se informado não é opcional. Acompanhar as movimentações da UE, dos EUA e até das associações setoriais, como a CIP ou a NERLEI, permite antecipar mudanças em vez de sofrer as suas consequências. A diferença entre sobreviver e prosperar neste ambiente está na capacidade de transformar ameaças em oportunidades. E isso começa hoje.
Um Guia de Sobrevivência para as PMEs Nacionais
Avaliar a Exposição:
- Quanto do meu negócio depende de importações dos EUA ou da Ásia?
- Quais os meus clientes mais vulneráveis a tarifas ou retaliações?
Diversificar Fornecedores:
- Procurar alternativas na Turquia, Marrocos ou Europa de Leste para matérias-primas.
Explorar Novos Mercados:
- Participar em feiras em Angola, Moçambique ou Brasil. A AICEP tem programas de apoio para quem quer expandir.
Investir em Marca e Inovação:
- Produtos com história, como o vinho, a cortiça ou o azeite, resistem melhor a guerras comerciais. O consumidor paga por qualidade, não por preço.
Monitorizar a Política:
- Acompanhar as decisões da UE e dos EUA. Organizações como a CIP ou a NERLEI podem ajudar a antecipar mudanças.
O Mundo Não Acabou, Mas Mudou
Trump pode acreditar que as tarifas vão “salvar” os EUA. A economia diz o contrário: protecionismo é um jogo de soma negativa, onde todos perdem, especialmente quem o impõe.
Para Portugal, a mensagem é clara: não podemos controlar as decisões de Washington, mas podemos preparar-nos. As PMEs que sobreviverão a esta tempestade serão aquelas que diversificarem, inovarem e se focarem no valor real dos seus produtos.
Como escreveu Eduardo Galeano: “A utopia está no horizonte. Caminho dez passos, e ela afasta-se dez passos. Para que serve a utopia? Para isso, para que eu não deixe de caminhar.”
Neste mundo de tarifas e incertezas, caminhar é a única opção.