“Existe uma passagem que une a fantasia à realidade
Freud
– o caminho, esse é a arte.”
Se parar para pensar por breves momentos é fácil identificar todas aquelas vezes em que durante uma chamada telefónica ou durante uma reunião (especialmente aquelas aborrecidas) começou a rabiscar qualquer coisa num papel.
Todo o ser humano cria, independentemente de o fazer de forma consciente ou inconsciente, pois é em relação com a nossa criação que nos sentimos a expressar o nosso potencial, sentindo-nos vivos e com um propósito.
Está provado por sociólogos e psicólogos que é na infância que somos mais criativos (senão não acredita tente lembrar-se da quantidade de paredes e sofás que coloriu ou pergunte aos seus pais), porque ainda não possuímos a delimitação das regras comportamentais rígidas que a sociedade nos impõe. Em crianças conseguimos verdadeiramente expressar todo o nosso potencial enquanto ser humano pois permitimo-nos experienciar todas as sensações associadas às diversas formas de arte e aos seus intermediários.
Desde a pintura com pastéis de óleo que nos deixa os dedos coloridos, às digitintas que nos permitem pintar com todas as partes do corpo, para as crianças tudo é possível, bom e uma experiência única e entusiasmante.
Em adultos já não é a mesma coisa. Propôr a um adulto para se descalçar e pintar com os pés, de forma aleatória num papel de cenário que o aguarda no chão, não é de todo fácil. O ser adulto por definição é ser responsável, é estar um passo à frente de todas as brincadeiras (“de criança”). Ser adulto é não permitir-se sentir (mas fingir que se sente).
Estamos numa sociedade exigente que nos faz condensar todas as tensões no interior daquilo que é expansão. A nossa verdadeira forma de ser é criativa e por consequência expansiva, pelo que, se a comprimirmos e empurrarmos para dentro do nosso peito, com a ajuda das tarefas cronometradas do dia-a-dia, estamos a aumentar a sua pressão e um dia ela explode dentro de nós deixando um rasto de destruição quer exterior quer interiormente.
A Arte terapia surge então como um instrumento transformador que permite mediar, através da utilização dos seus agentes artísticos, os conflitos internos que muitas vezes se transformam em traumas ou transtornos psicológicos.
Distinguindo-se como uma forma de tratamento psicológico, integrado no contexto psicoterapêutico, a arte-terapia permite criar uma relação terapêutica assente na interacção entre o sujeito-paciente (criador), o objecto de arte (criação) e o terapeuta (receptor). O recurso à imaginação, ao simbolismo e a metáforas enriquece e incrementa o processo, facilitando:
- a comunicação;
- o ensaio de relações objectais e vínculos e a reorganização das relações de objectos internos;
- a expressão emocional significativa;
- o aprofundar do conhecimento interno.
A Arte-Terapia permite assim libertar a capacidade de pensar e a criatividade conducentes à recuperação de um sentido inabalável de esperança na vida.
A intervenção em arte-terapia privilegia uma ou várias potencialidades terapêuticas contidas na arte: criação, aprendizagem, expressão e significação, através de parâmetros técnicos específicos, construídos a partir de uma experiência clínica de mais de meio século e outros comuns a outras psicoterapias, mas contextualizados em termos de integração das artes na relação terapêutica.
De um ponto de vista mais abrangente a Arte-Terapia é constituída por várias Artes-Terapias, visto as intervenções psicoterapeuticas que ocorrem no seu âmbito, recorrerem sempre a mediadores tais como Pintura, Colagens, Desenho, Modelagem, Expressão Corporal, Escultura, Teatro, Marionetas, Tabuleiro de Areia, Expressão Corporal, Música, Canto, Poesia, Escrita Livre Criativa e Contos.
A expressão artística é central nesta psicoterapia, porque através do objecto de criação se consegue aceder a informações sobre o paciente e o que o transtorna, sem ser necessário que este fale sobre o assunto, sobretudo porque naturalmente o verbalizar do problema acaba por ser doloroso. Desta forma o objecto de arte tem uma função cognitiva, permitindo não só fornecer ao paciente informações sobre si próprio, como também ao Arte-Terapeuta, constituindo-se ele próprio como um registo do processo.
No entanto o objecto de arte não interessa pelo seu valor informativo ou estético, mas sim pelo seu valor como mediador da expressão, como veículo de elaboração e como ensaio do processo criativo, até porque o contexto do processo Arte-terapeutico não é usado para análise, sendo o enfoque colocado preferencialmente na relação terapêutica. Na intervenção terapêutica o papel do processo criativo na mudança é central, pretendendo-se fomentar nos pacientes o uso da criatividade, como meio de entendimento do próprio e dos outros e na resolução da problemática existencial.
A experiência artística pode intensificar a expressão de vivências, bem como incrementar a consciencialização do sensorial e do equilíbrio estético. Neste contexto a facilitação de tal tomada de consciência torna-se importante para promover a riqueza, a vitalidade e a qualidade de vida, sendo que a expressão mediada possibilita também a mobilização de pulsões reprimidas, facilitando assim uma vida psicológica mais livre.
Em Portugal, a Arte-Terapia iniciou-se na década de 90 com a realização das primeiras intervenções de arte-terapia no Hospital Miguel Bombarda e em contexto privado, tendo-se seguido em 1994 a criação do núcleo de investigação em Arte-Terapia integrativa e finalmente em 1996 constitui-se a Sociedade portuguesa de Arte-terapia (SPAT).
A SPAT foi fundada pelo Dr. João de Azevedo e Silva, Psiquiatra, Grupanalista e Psicanalista, pelo Dr. Ruy de Carvalho, Médico, Arte-Psicoterapeuta com formação grupanalítica, tendo sido ele o organizador da estrutura da SPA e por fim pela Dra. Helena Correia, Psiquiatra, Arte-Psicoterapeuta e com formação grupanalítica, sendo que todos eles são psicoterapeutas com mais de 10 anos de prática (significando mais de 10000 horas de intervenção clínica).
Ao longo da sua existência a SPAT tem procurado desenvolver-se de forma dinâmica em várias vertentes, possibilitando a ocorrência de formações anuais de Arte-Terapeutas e Arte-Psicoterapeutas, workshops para o público em geral e intervenções particulares.
Como foi possível depreender, a arte-terapia engloba uma vasta área de actuação interna, permitindo através dos seus mediadores artísticos, resgatar a criança interior que por força da vida foi soterrada de obrigações e afazeres não dispondo de espaço e tempo para renascer.
Estejamos então conscientes da importância da criatividade na nossa vida, pois é ela que faz com que todos os dias não amanheçam da mesma forma. E se não conseguirmos trazê-la ao de cima, porque não experimentar uma sessão de arte-terapia? É garantido que sairá de lá mais colorido e revigorado, com energia para recolorir o seu mundo!
Uma resposta
muito legal esse site parabéns pelo conteúdo.