Há algo de profundamente perturbador em descobrir que as ferramentas que usamos para limpar, organizar e proteger o nosso mundo digital podem, na verdade, estar a espiar-nos. Foi isso que aconteceu a 4,3 milhões de utilizadores dos navegadores Chrome e Edge, vítimas de uma campanha de malware que durou sete anos, orquestrada por um ator ameaçador conhecido como ShadyPanda.
Tudo começou com extensões aparentemente inofensivas, um limpador de cache, um gestor de separadores, um fundo de ecrã animado. Ferramentas que prometiam tornar a nossa vida digital mais eficiente, mais segura. Algumas, como o “Clean Master”, chegaram mesmo a ser destaques verificados pela Google, com milhares de avaliações positivas. Mas, por trás da fachada de utilidade, esconde-se uma das operações de vigilância mais sofisticadas e prolongadas dos últimos tempos.
O ShadyPanda não agiu de forma impulsiva. Pelo contrário, aprendeu, adaptou-se e esperou. A sua estratégia dividiu-se em quatro fases, cada uma mais ousada que a anterior.
Fase 1, A Fraude dos Afiliados (2023)
Tudo começou com extensões publicadas por desenvolvedores como “nuggetsno15” e “rocket Zhang”. Pareciam inocentes, papéis de parede, ferramentas de produtividade. Mas, em segundo plano, injetavam códigos de afiliados em sites como Amazon, eBay e Booking.com. Cada compra feita pelos utilizadores gerava comissões ilícitas para os atacantes. Uma fraude silenciosa, que passou despercebida durante meses.
Fase 2, O Sequestro de Pesquisas (Início de 2024)
Aqui, o jogo tornou-se mais agressivo. Extensões como o “Infinity V+” começaram a redirecionar pesquisas para o site trovi[.]com, um conhecido browser hijacker. Cada clique, cada pesquisa, era registado, monetizado e vendido. Os utilizadores não sabiam, mas os seus hábitos de navegação estavam a ser transformados em dados valiosos para terceiros.
Fase 3, O Cavalo de Troia (Meados de 2024)
Foi aqui que o ShadyPanda revelou a sua verdadeira face. Extensões como o Clean Master, que operavam legitimamente há anos, receberam atualizações silenciosas. De repente, passaram a executar código remoto, a monitorizar cada site visitado, a roubar históricos de navegação e a criar identificadores persistentes nos navegadores das vítimas. O mais perturbador? Desativavam-se automaticamente quando o utilizador abria as ferramentas de desenvolvedor, tornando a deteção quase impossível.
Fase 4, A Vigilância em Massa (2025)
A escalada final veio com extensões como o “WeTab”, publicadas na loja do Microsoft Edge. Com 4 milhões de instalações, estas ferramentas passaram a registar tudo, URLs visitadas, pesquisas, cliques do rato, cookies, e até o comportamento de interação com as páginas. Os dados eram enviados para servidores na China, onde eram analisados e monetizados. O pior? Muitas destas extensões continuavam disponíveis para download, mesmo após a descoberta da campanha.
O Sistema Falhou. E Agora?
O caso ShadyPanda expõe uma falha crítica nos mercados de extensões de navegadores. Chrome e Edge confiam num sistema de revisão estática no momento da submissão, mas não monitorizam o que acontece depois. As atualizações automáticas, concebidas para manter os utilizadores seguros, tornaram-se o vetor de ataque perfeito.
Para os Utilizadores:
- Desconfie de extensões com permissões excessivas. Se uma ferramenta para limpar o cache pede acesso a todos os seus dados de navegação, algo está errado.
- Verifique regularmente as extensões instaladas. Remova aquelas que não usa ou que têm avaliações suspeitas.
- Atualize as suas palavras-passe. Se usou alguma destas extensões, mude as credenciais dos sites que visita frequentemente.
Para as Plataformas:
- Monitorização contínua é essencial. Uma revisão única no momento da submissão não é suficiente.
- Transparência nas atualizações. Os utilizadores devem ser notificados sobre mudanças significativas no comportamento das extensões.
- Resposta rápida a ameaças. Extensões como o WeTab só foram removidas após a divulgação pública do escândalo.
O caso ShadyPanda não é apenas mais uma notícia sobre cibersegurança. É um aviso. Mostra como a confiança pode ser manipulada, como a tecnologia que usamos todos os dias pode ser transformada em armadilhas de vigilância.
E deixo-vos com uma pergunta, Quantas outras extensões, aparentemente inofensivas, estarão neste momento a espiar os nossos passos digitais?