O aumento da consciência ambiental das sociedades começou por ser conseguido a partir da exposição de problemas ambientais concretos, como foi o caso do efeito de bioacumulação causado pelos pesticidas sintéticos, que culminou em deficiências genéticas em aves, nomeadamente na espessura dos seus ovos, explicado em pormenor aquando da publicação em 1962 de “Silent Spring” por Rachel Carson. Este livro foi sem dúvida o ponto de viragem nas políticas ambientais tendo sido considerado como o principal impulsionador do movimento global sobre o Ambiente.
A sociedade começou assim a compreender melhor as consequências das suas interacções no ambiente, e as exigências ambientais que iam sendo apresentadas passaram a constar da agenda política internacional dando origem a diversas conferências onde passaram a ser debatidas.
A bioacumulação é um processo que ocorre quando um composto/elemento químico ou um isótopo entra num organismo e se acumula em elevadas concentrações independentemente do nível trófico. Este processo pode ocorrer directamente a partir do meio ambiente, ou por meio da alimentação (de forma indirecta), sendo esta a forma mais comum de ocorrer, apresentando especial incidência nos ambientes aquáticos.
A exposição de um ser vivo a um dos componentes do ambiente (ar, solo, água), contaminado por metais pesados por exemplo, pode provocar a absorção pelo organismo, entrando assim nos seus tecidos, e posteriormente, ao servir de alimento a seres de um nível trófico mais elevado, contaminará esse outro organismo, fazendo com que o contaminante suba na cadeia alimentar, aumentando de forma muito significativa a sua concentração.
De uma forma simples o processo de bioacumulação constitui-se como o aumento da concentração de poluentes nos organismos, sendo normalmente os mais prejudicados os consumidores terciários da cadeia alimentar, pois esses alimentam-se de outros níveis que já podem vir contaminados e por aí a diante, sofrendo efeitos mais nefastos.
Dos poluentes não biodegradáveis que se acumulam ao longo da cadeia alimentar é importante destacar os metais pesados, como o mercúrio, o chumbo e o cádmio (elementos frequentemente presentes em processos industriais e em resíduos eletrónicos), bem como os compostos organoclorados, como o DDT e o BHC (inseticidas), o cloreto de vinilo (substâncias muito usadas na indústria, principalmente na produção de plásticos e produtos agrícolas) e ainda os organofosforados (utilizados na produção de pesticidas e altamente tóxicos).
Para além dos animais também os seres humanos podem sofrer de bioacumulação, sobretudo porque, como já vimos é nos níveis superiores da cadeia alimentar (consumidores) que ela se manifesta de forma mais nefasta. Nos tecidos humanos, essas substâncias tóxicas podem provocar uma variedade de doenças, nomeadamente cancro, lesões hepáticas e pulmonares, esterilidade, danos no sistema nervoso e muscular, doenças de pele, distúrbios renais, danos na medula óssea, entre outros.
Mas a situação de bioacumulação mais caricata que a história conhece não ocorreu com seres humanos, mas sim com pássaros nos Estados Unidos da América.
Na madrugada de Agosto de 1961, a localidade costeira de Capitola na Califórnia foi surpreendida por uma invasão de aves marinhas que atacaram sem qualquer piedade os habitantes, num episódio bizarro que fascinou Alfred Hitchcock, veraneante frequente, que após o episódio se dedicou à recolha de informações nos jornais locais e se inspirou para a realização de um dos seus aclamados filmes – “Os Pássaros”.
Na altura a explicação encontrada para o incidente foi dada com base no nevoeiro cerrado que teria confundido os pássaros e os induzira a procurar as luzes da cidade.
A verdadeira explicação só viria a ser dada 26 anos depois, depois de biólogos especialistas terem analisado uma situação de intoxicação de mais de uma centena de pessoas em Prince Edward Island no Canadá e terem correlacionado a causa com o que se tinha sucedido em Capitola. O episódio de intoxicação alimentar ocorrido tinha sido pouco comum pois para além dos sintomas normais os pacientes queixavam-se de dores de cabeça incapacitantes a que se seguia confusão, perda de memória, desorientação e, em casos extremos, tremores e coma. Três das vítimas faleceram e outras sofreram danos neurológicos irreversíveis. Uma vez que a perda de memória era o traço comum a muitas vítimas, a condição foi designada intoxicação amnésica (amnesic shellfish poisoning, ASP).
Epidemiologistas da Health Canada identificaram os mexilhões apanhados numa parte da ilha como os culpados da intoxicação. Após ensaio da alimentação de ratos com esses mexilhões obtiveram-se resultados de mortes com sintomas neurotóxicos agressivos e muito diferentes dos encontrados noutras toxinas de origem marinha.
A causa química começou a ser encontrada em 1987, quando uma equipa de biólogos marinhos e químicos foi reunida pelo Department of Fisheries and Oceans (DFO) do Canadá a fim de realizarem estudos dos compostos presentes nos mexilhões.
O principal composto encontrado e implicado na intoxicação do tipo amnésico (ASP) foi o ácido domóico. Esta epopeia química, contada em detalhe em vários artigos científicos, assentou no fraccionamento de extractos dos mexilhões e seu teste em ratos até se encontrar o causador.
As conclusões foram muito interessantes. O ácido domóico funcionava como um cavalo de Tróia molecular, levando a que os neurónios confundissem este aminoácido com o seu parente ácido glutâmico/glutamato, que se pensa estar envolvido em funções cognitivas como a aprendizagem e a memória. Ao existir em elevadas concentrações, o glutamato funciona como uma excitotoxina – excita os neurónios até à morte num processo em cascata que estimula células vizinhas.
Estava então descoberta a causa da intoxicação das pessoas no Canadá e dos pássaros em Capitola – o ácido domóico. Depois deste episódio, a análise deste tipo de ácido em marisco e peixes comerciais passou a ser um requisito para a sua comercialização.
As dimensões da bioacumulação não se resumem a episódios do passado. Todavia é um dos problemas ambientais que é menos estudado e menos analisado em termos de impacte na saúde dos ecossistemas, assumindo apenas a sua relevância no que ao ser humano diz respeito.
As campanhas de sensibilização levaram muitos a diminuir o consumo de alimentos gordos (peixes e carnes) devido a serem estes os seres que mais têm capacidade de acumular toxinas. No campo dos seres aquáticos temos o tubarão e o atum como principais bioacumuladores de mercúrio e no caso dos seres terrestres temos as aves de caça que podem bioacumular pesticidas e biocidas.
A bioacumulação é verdadeiramente um problema ambiental e de saúde pública, todavia pode ser evitado se leis de retenção na fonte forem aplicadas e se se aplicar o princípio da prevenção e precaução, vigiando a nossa alimentação e procurando que esta seja o mais variada possível.