O ouro não é apenas um metal precioso, é um símbolo de segurança, tradição e afeto. Mas em 2025, a sua valorização sem precedentes, mais de 50% desde o início do ano, com picos acima dos 4.400 dólares por onça, está a colocar o setor joalheiro português perante um dos maiores desafios da sua história. Entre a pressão dos custos e a cautela dos consumidores, como sobreviver sem perder a essência de um ofício que carrega séculos de história?
O impacto nos balcões, entre a tradição e a adaptação
A subida abrupta do preço do ouro não é apenas um número nos mercados financeiros. Nas joalharias e ourivesarias de norte a sul do país, é uma realidade que se reflete no dia a dia, clientes que hesitam, peças que ficam nas vitrines, e margens de lucro cada vez mais apertadas.
Muitas joalharias, especialmente as de menor dimensão, estão a ser forçadas a repensar as suas estratégias. A opção mais comum tem sido a redução do peso das peças ou a utilização de ligas com menor percentagem de ouro, como o ouro 14 quilates em vez do tradicional 18 quilates. Outra alternativa é a aposta em designs mais leves e delicados, que permitem manter a qualidade visual sem o custo proibitivo do ouro maciço.
No entanto, estas adaptações não são isentas de dilemas. “O ouro sempre foi sinónimo de durabilidade e valor emocional. Quando reduzimos a sua pureza ou quantidade, estamos também a alterar o significado que ele tem para os clientes”, explica um ourives com décadas de experiência.
O consumidor em dúvida, entre o desejo e a realidade
Em Portugal, o ouro está profundamente ligado a momentos-chave da vida, casamentos, batizados, heranças. Mas com os preços atuais, muitos consumidores estão a adiar compras ou a procurar alternativas mais acessíveis, como a prata ou joias com banho de ouro.
Os dados são claros, a procura por joias de ouro tem vindo a diminuir, especialmente nas peças de maior peso ou pureza. Em contrapartida, há um aumento de interesse por opções mais económicas, como joias em ouro 9 quilates ou peças com menor quantidade de metal precioso.
O desafio das festas e tradições
O ouro tem um papel central em celebrações como o Natal, casamentos e festas populares. Mas neste ano, até estas tradições estão a ser afetadas. Com os preços elevados, muitas famílias estão a rever os seus planos, optando por presentes menos dispendiosos ou adiando compras que antes eram consideradas essenciais.
O setor teme que, se a tendência se mantiver, o ouro possa deixar de ser acessível para a maioria dos portugueses, transformando-se num luxo reservado a poucos. Isso seria uma perda não só para o setor, mas para a cultura portuguesa.
Ouro como investimento vs. ouro como tradição
Enquanto os investidores celebram o ouro como um “porto seguro” em tempos de incerteza económica, os joalheiros enfrentam uma realidade distinta, o metal que dá vida às suas criações está a tornar-se inacessível para o consumidor comum.
Em países como a Índia e a China, os maiores consumidores de ouro do mundo, a procura por joias caiu 31% e 18%, respetivamente, no terceiro trimestre, face ao ano anterior. Até o tradicional período de compras do Diwali, conhecido por impulsionar as vendas de ouro na Índia, registou resultados fracos. Grandes marcas internacionais, como a Titan e a Pandora, também sentiram o impacto. Mesmo as casas joalheiras asiáticas, como a Kim Poh Hong Goldsmith de Singapura, reportaram quedas de até 40% nas vendas de peças de 22 quilates.
O ouro deixou de ser apenas um material para joalharia, tornou-se um ativo financeiro. Isso cria um desequilíbrio entre o seu valor no mercado e o seu valor simbólico para as pessoas. Este desfasamento está a forçar o setor a repensar o seu modelo de negócio, sem perder de vista a herança cultural que o ouro representa em Portugal.
Perante este cenário, muitos joalheiros estão a explorar novas abordagens. Alguns apostam em peças personalizadas, que permitem ao cliente escolher o peso e a pureza do ouro de acordo com o seu orçamento. Outros estão a investir em marketing digital, para chegar a um público mais jovem e consciente dos custos.
Há também quem esteja a experimentar materiais alternativos, como o paládio ou a prata de alta qualidade, sem abandonar completamente o ouro.
A subida do preço do ouro não é apenas um desafio económico, é um teste à resiliência de um setor que carrega consigo séculos de tradição. Em Portugal, onde o ouro é mais do que um metal, é memória, afeto e cultura, a sua valorização recordista obriga a uma reflexão profunda, como preservar o que nos define, num mundo onde até os símbolos mais duradouros estão a ser postos à prova?