O regresso que fez barulho
Jimmy Kimmel voltou à televisão e, como sempre, não veio para agradar a todos. O apresentador, conhecido pelo humor ácido e pela crítica política, reacendeu um debate antigo: até onde pode ir um comediante em nome da liberdade de expressão? Nos EUA, onde a polarização é moeda corrente, Kimmel não poupa nem republicanos nem democratas. Mas será que, no fundo, o seu papel é mesmo o de “censor moral” ou apenas o de espelho, por vezes deformado, da sociedade?
Liberdade de expressão: um direito sem fronteiras?
A Constituição americana protege a liberdade de expressão, mas isso não significa que tudo deva ser dito sem consequências. A questão não é legal, é social e ética. Um comediante deve ser censurado? A resposta não é simples.
O argumento da “tribuna livre”, o palco de um humorista é, por definição, um espaço de provocação. Se o riso serve para expor hipocrisias, por que limitar o seu alcance? Até o insulto, quando bem dosado, pode ser uma ferramenta de crítica.
A justiça já existe para punir excessos, como a difamação ou o discurso de ódio. O resto? Faz parte do jogo democrático.
O risco da normalização, quando o humor se torna apenas um veículo de ódio disfarçado, perde a graça e ganha perigosidade. A linha é ténue, ridicularizar um político não é o mesmo que incitar violência contra um grupo. Aí, a liberdade de expressão esbarra no bom senso, ou na falta dele.
Portugal não é os EUA (e bem)
Nos Estados Unidos, a liberdade de expressão é quase um dogma. Em Portugal, vivemos num equilíbrio mais prudente, a lei pune a injúria, a difamação e o discurso de ódio, mas deixa espaço para a sátira. O problema não é a censura estatal, mas a autocensura, o medo de ofender, de perder seguidores, de ser cancelado. E é aqui que entra o papel do humorista: testar limites, mesmo que isso incomode.
Kimmel sabe disso. Quando brinca com temas sensíveis, não está só a fazer rir, está a medir a temperatura da sociedade. Se o público se ofende, pode reagir, com críticas, boicotes ou, sim, processos judiciais. Mas proibir o humor por ser incómodo? Isso sim seria um ataque à democracia.
A liberdade de expressão não é um cheque em branco, mas também não pode ser um corpetinho apertado. O humor, quando inteligente, expõe verdades que a seriedade esconde, se um comediante ultrapassa a linha, que a justiça, e não a moral alheia, decida.
Como dizia Paulo Freire, “O mundo não é, está sendo.” E é no palco, nas redes, nas ruas, que se define o que somos, com risos, erros e tudo o mais.
Há verdades que só se revelam a quem escuta com o peito aberto, e outras que só se veem quando nos rimos delas.