A Natureza Do Conflito
O conflito é medida de liberdade num universo feito de partes que se relacionam. Existe mais do que uma opção, mais do que um caminho, mais do que um destino. Você tem essa experiência de sentir-se dividido entre dois desejos diferentes, duas emoções de sentido contrário, duas ideias inconciliáveis, pressionado pela contagem decrescente do tempo. Agora, adicione mais uma pessoa. Misture várias pessoas. O conflito é inevitável.
As pessoas são livres e, por vezes, a palavra liberdade sugere um potencial criativo e ilimitado. Um número infinito de opções. Mas, isso só acontece no mundo interior dos sonhos, que não partilhamos, nem dividimos. Ali, todo o ser é Eu.
Na mundo exterior das pessoas, o ser, a construção mental, imaterial e consensual que partilhamos, é Nós. Mas, o Eu quer um pedaço do Nós para si, sem o qual seria escravo. O Eu quer liberdade. A individualidade implica divisão. É meu, é seu. Um número finito de opções que o Eu disputa com todos os outros Eu. O conflito é necessário.
Ora, uma empresa é feita de pessoas. Não apenas. Mas, essencialmente. Cada pessoa é um Eu. É livre. Tem vontade. Tem querer. Cria. Inova. Empreende. O conflito é desejável.
Adriano Sociopata E O Braço De Ferro
Depois da licenciatura, trabalhei 18 meses num café / bar, junto a um bairro problemático, enquanto também estagiava. A maioria dos clientes eram trabalhadores da construção civil. Mas, em muitas noites, o grupo de clientes incluía ladrões, traficantes de droga, drogados, prostitutas e álcool. Sempre álcool. Muito álcool.
Falei com indivíduos muito inteligentes. Lembro-me de personagens extraordinárias. Mas, as circunstâncias condicionam muito a vida de cada um de nós. Também confrontei pessoas complicadas. De noite, o ambiente era pesado. Fumo de tabaco. Demasiados clientes. Ruído.
Lembro-me do Adriano. Quem conheceu o Adriano, lembra-se do Adriano… A primeira vez que entrou no café, muitos clientes saíram. O Adriano parecia amável e muito generoso para as mulheres e crianças, quando sóbrio. E simpático. Depois de beber, os olhos dele já não eram os mesmos. Havia ódio no olhar. O riso tinha um tom diferente. A voz alterava-se rápida e inesperadamente. Um olhar inadvertido doutro cliente podia ser suficiente para provocar uma reação violenta.
Alguns anos depois, noutro café próximo, foi apenas um olhar dum cliente, que acabara de entrar no café onde o Adriano bebia, um cliente que não tinha qualquer história pessoal com o Adriano, tão somente um olhar, a razão inexplicável dum homicídio. Várias pessoas contaram-me a história. Não houve qualquer discussão. Não houve sequer uma conversa. Apenas um olhar e o homicídio. O Adriano esfaqueou essa pessoa. Mais do que uma vez.
Regressando à minha experiência pessoal com o Adriano, aprendi a gerir as emoções dele, com provocações, que terminavam com um sorriso e um contato fisico no braço, no ombro, na cabeça, de afeto quase paternal. Eu convidava o Adriano para lutarmos com o mesmo olhar que era dele, de desafio, de confronto, de ódio, mas, pouco depois, eu mudava o olhar que era meu para um sorriso aberto. E lutávamos. Mas, a luta tinha regras. Era um braço de ferro. Entrei muitas vezes no café e o Adriano estava junto do balcão a beber. Dava-lhe um carolo e ele virava a cara na minha direção. Lembro-me do olhar. Mas, eu sorria. E ele também.
O Adriano entrava no café. E os restantes clientes já não saíam. Era seguro estar ali com o Adriano. Durante 18 meses, não houve qualquer incidente. O Adriano cantava. Chorava. De vez em quando, acontecia o braço de ferro. E parecia existir uma amizade entre nós. Mas, quando o Adriano estava no café, a minha atenção, dissimulada, estava focada nele, na linguagem corporal dele, no olhar, nos gestos, nas reações, que eu tinha que interromper, chamar o nome dele, colocar a minha mão no ante-braço dele, inciar uma conversa com ele, desafiá-lo para o braço de ferro.
Havia um processo informal que se tornou hábito. Esse processo tinha regras implícitas. A comunicação não era verbal. Penso que nunca troquei mais do que duas frases com o Adriano de cada vez: uma minha, outra dele. E tudo terminava no braço de ferro. Por vezes, era ele que exigia o braço de ferro. Outra vezes, era eu que o desafiava para o braço de ferro.
Aprendi com a experiência. Mas, a minha ação não foi planeada. Não pensei previamente no assunto e decidi que aquela era a melhor solução para comunicar com o Adriano. Foi intuitivo. E aconteceu assim.
Excelentíssimo, Meritíssimo e Venerandos
Lembro-me de estar sentado numa sala, no Tribunal de Instrução Criminal. Ou terá sido um sonho? Estaria eu de escala nesse dia? Não me lembro. Vamos ter que imaginar. Pode ter acontecido. Ou não. Pouco importa. Acontece muitas vezes, todos os dias.
Estava eu, uma juiza, uma procuradora do Ministério Pública e uma escrivã. Entrou um polícia e sentou um suspeito dum crime de violação.
O polícia saíu. Fechou a porta. Estavam 3 mulheres, eu e aquele homem, naquela sala. Aquele pateta malvado, miserável e perverso tremia. Falava com embaraço, vergonha e timidez. Tinha medo. Não tinha esse direito. Mas, o que esperar dum cobarde senão cobardice?
A forma, a existência dum processo, o ritual, o vestuário, as togas e becas, o Excelentíssimo, o Meritíssimo e Venerandos, a representação simbólica e teatral da autoridade, a comunicação clara dos direitos e deveres, restringem substancialmente quaisquer comportamentos violentos e agressivos. A institucionalização do conflito permite reduzir o conflito a um diálogo formal, controlado com regras, facilitando a mediação do mesmo.
Gestão De Conflitos No Trabalho
Numa empresa, a participação de cada indivíduo, da sua criatividade, da diferença de ideias, competências, conhecimentos, acesso a informação, perspetivas culturais, experiências, o debate e a crítica são fatores determinantes para o sucesso dessa organização de pessoas.
Tal como a concorrência entre empresas é essencial para que os mercados sejam mais eficientes, embora prevaleça um fanatismo liberal e um egoísmo destrutivo e suicída, dentro de cada empresa, a competitividade entre cada trabalhador tem o mesmo potencial de aumentar a produtividade dessa empresa, desde que esse conflito esteja integrado num processo mais extenso e importante de colaboração, com regras claras, um fluxo de comunicação sem bloqueios relevantes e um objetivo imediato e prático, a síntese da divisão. Da colaboração, uma gravidez, um parto, uma ideia nova. De todos, um.
Contei a história do Adriano. O braço de ferro funcionava como um mecanismo muito simples de síntese, que permitia ultrapassar um estado de tensão negativa e destrutiva, devolvendo uma dinâmica positiva ao grupo. Só era necessário quando as atividades sociais das pessoas próximas do Adriano cessavam. O foco de atenção mudava para o potencial de violência do Adriano. E, depois do braço de ferro, a energia do Adriano baixava e a das restantes pessoas aumentava. Estavam novamente disponíveis para beber, conversar, rir e ver televisão. A entropia do sistema baixava. A organização aumentava. E a vida avançava.
Você não precisa de intervir sempre que estiver a decorrer um conflito. Só precisa de fazê-lo quando a dinâmica do conflito não for positiva, se as relações entre colegas de trabalho se tornarem agressivas, com críticas pessoais, palavras provocatórias, vozes berrantes, linguagem corporal invasiva do espaço pessoal e privado de conforto dos outros ou ainda quando o conflito se transformar num fim em si mesmo, um ato de masturbação de egos, que mimetizam a alegada inflação do universo, indiferentes aos objetivos coletivos da empresa.
As empresas precisam de processos de resolução e mediação de conflitos integrados nos processos da empresa, porque o conflito é uma situação normal em qualquer organização de pessoas. Uma descrição clara das funções e competências de cada trabalhador, uma hierarquia sem ambiguidades, um mecanismo de resolução de conflitos, com regras claras, uma mediação que incentive as partes a apresentarem em conjunto os consensos e as divergências, uma comunicação simples, concisa, rigorosa, no tempo certo, de sentido duplo, centros de decisão informais, intermédios e integrados e uma cultura humanista de respeito da dignidade de cada pessoa, trabalhador, cliente ou fornecedor.
E leve a sua equipa de trabalho numa viagem pelos desportos radicais. Convido-os para um dia de paintball. Ou para um jantar. Incentive o convívio fora do contexto do trabalho, com tarefas simples, divertidas e relaxantes. Melhorará o espírito de grupo, aumentará a confiança entre os membros e criará uma familiaridade que será muito útil na negociação das diferenças.