Não existe nenhum consenso mundial sobre a relação da cultura com o empreendedorismo, contudo já são bastante estudadas as influências culturais de um país nas linhas gerais dos comportamentos da sua população.
Empreendedorismo é um tipo de comportamento que também se deixa influenciar pela cultura, pois quem permite a existência do empreendedorismo são pessoas que estão inseridas num determinado meio cultural, rodeadas por pessoas de uma determinada cultura, num determinado período de tempo.
Empreendedorismo E Cultura Nacional
O tipo de cultura em questão neste tema é a cultura nacional, ou seja, as crenças, os valores e as tradições partilhadas no seio de uma comunidade, assim como a sua história.
A cultura influencia formas de pensar e percepcionar o mundo, molda os nossos comportamentos, gera as nossas expectativas e até um certo ponto, ajuda-nos a distinguir o bem do mal.
Muitas vezes agimos de acordo com a cultura onde estamos inseridos sem nos apercebermos, por isso achamos natural as mulheres em Portugal serem independentes e terem os mesmos direitos e deveres que os homens. E pela mesma razão, isto é, devido à cultura, na Arábia Saudita as mulheres não podem conduzir e têm de obter a autorização de um parente masculino para arranjar um emprego e sair do país. Culturas…
E é precisamente através de comportamentos e expectativas deste género, portanto intrínsecos, que queremos demonstrar a ligação da cultura com o empreendedorismo. Para isso auxiliámo-nos das dimensões de Hofstede, e do estudo “Entrepreuneurship, National Culture and Turkey” realizado pelo International Journal of Business and Social Science, onde é comparado o empreendedorismo na Turquia e nos EUA.
Dimensões De Hofstede
Geert Hofstede é um psicólogo holandês que trabalhou durante muitos anos na International Business Machines (IBM), em diversos países com diferentes culturas. A sua realidade de trabalho fê-lo notar e interessar-se por estas diferenças culturais. Hofstede desenvolveu um modelo, através de inquéritos de opinião, com seis dimensões que influenciam, de forma geral, os comportamentos de indivíduos de diferentes culturas.
- Índice de Distância do Poder – é o índice de aceitabilidade de injustiças de poder por parte dos indivíduos de um país. Quanto maior o índice, mais injustiças/más distribuições de poder são aceites.
- Masculinidade vs Feminilidade – distribuição de papéis distintos entre sexos. Quanto maior a masculinidade, maior divisão de funções consideradas femininas e masculinas.
- Individualismo vs Colectivismo – reflecte o nível de coesão de grupos. Quanto maior o individualismo, mais segregados são os grupos e mais os indivíduos concentram-se em si próprios e na sua família nuclear. Quanto maior o colectivismo, maior coesão e sentimento de pertença a um grupo, aumentando também os níveis de sentimento de segurança.
- Orientação Para o Longo Prazo – sociedades viradas mais para o presente, ou para o longo prazo. No primeiro caso os indivíduos vivem mais as “virtudes imediatas” como a estabilidade, a harmonia, o apreço das tradições. E no segundo, as “virtudes progressivas” como a poupança e a perserverança.
- Índice de Evitação de Incerteza – é o valor que demonstra o nível de tolerância que os indivíduos sentem perante situações desconhecidas e o risco associado.
- Fruição Imediata vs Contenção – sociedades com controlo ou com fruição dos desejos e impulsos.
Para o estudo sobre a cultura e o empreendedorismo, Osman Eroglu e Murat Piçak, autores do estudo “Entrepreneurship, National Culture and Turkey” utilizaram o Índice de Distância do Poder, o Individualismo vs Colectivismo e o Índice de Evitação da Incerteza, e chegaram às seguintes conclusões:
No primeiro caso encontram-se os Estados Unidos da América, onde comportamentos de individualismo são valorizados e recompensados. Revelam independência e autonomia dos indivíduos, aumentando a competição e o desejo de cumprir objectivos.
Os baixos níveis de distância de poder que há nos EUA, significam que a sua população tolera pouco as injustiças. Os empreendedores são considerados pelos americanos como promotores de uma justa distribuição de poder, fazendo-los dominar a sua estrutura social.
Os baixos níveis de evitação de incerteza falam por si, nos EUA o sentimento cultural perante o desconhecido e o risco é quase natural e espontâneo. Sair da zona de conforto para os americanos, de forma geral e segundo este estudo, é algo que os entusiasma, promovendo assim iniciativas criativas e inovadoras.
A conjugação destas três características culturais reflectem lócus de controlo interno, tomada de risco e inovação como traços gerais de personalidade de um empreendedor.
O segundo caso reflecte os dados da Turquia. Os altos níveis de colectivismo traduzem um forte sentimento de pertença em grupos, e uma obediência às suas regras com lealdade inquestionável. Com um elevado nível de segurança, a competição é menor e todos ajudam-se mutuamente.
Os altos níveis de distanciação de poder traduzem a elevada aceitação de injustiças por parte da população turca, fazendo-los não simpatizar muito com os detentores de poder, incluindo neste grupo os empreendedores.
Os altos níveis de evitação de incerteza não são propícios ao empreendedorismo, pois significam que a população evita o risco, preferindo a segurança e o conformismo, levando também a uma pressão sobre as dimensões legais, culturais, políticas e do desenvolvimento de negócios.
Na Turquia, o Estado promove várias iniciativas para promover o empreendedorismo, garantindo bom ambiente de desenvolvimento e crescimento, contudo o crescimento é muito lento precisamente pelo facto da cultura não acompanhar as mudanças de uma forma tão rápida como o desejado. Isto acontece devido a vários factores, entre os quais a educação.
No Estados Unidos o empreendedorismo é incentivado desde o ensino escolar básico, o que não acontece na Turquia (nem em Portugal), muito devido à longa história de instabilidade económica.
Os autores deste estudo concluíram que os empreendedores turcos podem ser caracterizados como short-time oriented, faltando-lhes a orientação estratégica e a visão a longo-termo.
Contudo os empreendedores turcos gostam de desafios, têm altos níveis de auto-estima, não desistem com facilidade e têm motivações intrínsecas e extrínsecas na luta pelo seu sucesso.
Em Portugal, sabemos que a educação básica e secundária encontra-se pouco virada para o empreendedorismo (se não mesmo nada virada para esse lado), mas que a educação superior tem o empreendedorismo como um dos seus tópicos principais.
Os valores lusos para as dimensões de Hofstede não estão assim tão maus como se poderia imaginar:
- Distância do Poder – 63 pontos, considerada como média-alta aceitação de injustiças.
- Individualismo vs Colectivismo – 27 pontos, traduzem um baixo grau de integração em grupos, logo, um relativamente alto individualismo.
- Evitação da Incerteza – 104 pontos, significando que os portugueses toleram muito bem a incerteza.
Somos um povo de empreendedores, não lhe parece?