Com o passar do tempo e o inevitável envolvimento com diversas culturas organizacionais, fica cada vez mais incompreensível o exagerado academicismo mecânico e pouco empírico praticado atualmente por alguns centros para formação profissional. Por duas vezes fui procurado para opinar sobre o que se convencionou alcunhar de Educação Corporativa e, como o tema me é muito familiar, decidi redigir esse artigo para o PME. Não é minha intenção discorrer sobre os detalhes, as técnicas ou a linguagem específica que contamina muitas salas de treinamento nos mais variados círculos. A literatura é vasta e vastas também são as teses que justificam a necessidade de se tomar como essencial o tema em questão.
A proliferação de tantos cursos e suas exigências por trabalhos impecáveis quanto a bibliografia, porém com pouco esmero na compreensão do que foi produzido, tem contribuído com uma corrosão no principal pilar que é a assimilação absoluta da função exercida pela Educação organizacional.
Houve muita contaminação por conta dessa multiplicação de trabalhos de conclusão de curso e com isso perdeu-se de foco a função tradicional que é o acúmulo, a transmissão e a crítica do conhecimento produzido pela própria organização. E aqui vem um detalhe que quase nunca é esquecido, mas pouco explorado: cada organização tem sua própria cultura.
As empresas banalizaram sua cultura assim que decidiram apenas aplicar a técnica do Ctrl+C e Ctrl+V no que diz respeito a construção do próprio conhecimento. Imagine quanto capital epistemológico foi esquecido, ignorado e até evitado ao longo do tempo desde a fundação de uma empresa até o momento de seu apogeu ou declínio. A autoridade decorrente do domínio adquirido por essa construção do próprio conhecimento deixa de existir, senão na idealização de um departamento de marketing e nos lindos banners confeccionados por estes e que acabam dispostos em paredes bem decoradas, sem nunca atrair a atenção de ninguém.
Quando se perde esse domínio, essa autoridade intrínseca, desaparecem os padrões, perde-se a noção de hierarquia e deixam de existir referências sólidas onde a capacidade de se avaliar e evoluir vira pura relatividade. Em um cenário como esse, de que forma se pode definir uma orientação estratégica de longo prazo para uma organização? Como articular de forma coerente as competências individuais? Como desenvolver uma cultura de inovação se não existem referências próprias? Uma organização que define seus Valores de acordo com o que supõe ser um ideal satisfatório, ainda que nenhum desses valores, ou alguns deles, não sejam realmente praticados por ela, terá chances de produzir uma Educação Corporativa eficaz? A resposta é óbvia, mas merece ser corroborada: NÃO!
Uma organização deve ser capaz de imprimir nos indivíduos que a integram a sua Visão, sua Missão e seus Valores de maneira que estes sejam capazes de reproduzir as concepções, as disposições e os modos de conduta requeridos por ela em pleno acordo com sua vivência fora do ambiente de trabalho. Nossa sociedade é repleta de contradições e passa por transformações o tempo todo e é nesse aspecto que a Educação Corporativa ganha destaque. A própria organização será exigida de maneira a reconfigurar as suas expectativas, mas nenhum contexto irá alterar a sua cultura que foi construída e transformada por todos os envolvidos e não só a alta gerência. Isso torna o tema mais complexo e ainda encontra resistências no campo acadêmico.
Para as organizações contemporâneas um novo tipo de “colaborador” é necessário. Qualquer empresa que deseja que seus colaboradores possuam um comportamento independente para solucionar problemas, que sejam capazes de pensar e agir conforme o contexto e que sejam efetivos no trabalho em equipe, bem como, sejam também capazes de assumir responsabilidades, precisa ter sua própria identidade definida. A presença do colaborador precisa ser a de um agente que adquire e também transforma a cultura organizacional. De outro modo não será possível a interiorização das ideias, valores e normas que se pretende multiplicar.
A incompreensão da importância de tais procedimentos faz com que apareçam afirmações equivocadas como aquelas que sentenciam que a Educação Corporativa “não atende a uma necessidade social de um projeto de formação humana”, ou ainda, que “não está comprometida com a construção de justiça social e a igualdade”. O fato de um indivíduo estar engajado, por que assim se identificou, com os valores e visão da organização onde passa a maior parte do seu tempo, não o exclui do processo pelo qual passa todo indivíduo em sua formação social. Pelo contrário! Isso, de fato, contribui em muito para sua existência, desde que a liderança da organização seja fiel a cultura propagada.
A finalidade da educação sempre será a de propiciar o pleno desenvolvimento de todos os indivíduos e esse papel tem sido melhor desempenhado justamente pelas organizações, já que o estado tem sido omisso quanto a essa obrigação. O planejamento e o desenvolvimento de qualquer Educação Corporativa passa pela identificação das potencialidades e fraquezas de uma organização, pela transferência de seus valores e a absorção de sua identidade por aqueles que a integram. Desse modo, essa interação também contribui para que a organização desenvolva as diretrizes que servirão para a construção de sua cultura. Ambos, colaborador e empresa, são transformados por esse processo. Contudo, para que isso realmente ocorra, cada responsável pela identificação e definição da personalidade da empresa precisa compreender que o processo verdadeiro responde basicamente à honestidade quanto às informações que se pretende incluir na definição de negócio da empresa.
Atualmente a Educação Corporativa tem papel fundamental na formação do indivíduo em sociedade e isso não pode mais ser negligenciado. Sua importância transcende aquilo que vem sempre elencado como se fosse a única finalidade deste tipo de educação. Equivocadamente, muitos tendem a separar a Educação Corporativa do contexto de educação em seu modo mais amplo. Um erro gravíssimo já que se torna cada vez mais evidente o quanto as informações absorvidas dentro de uma empresa tem influenciado na vida em sociedade. Não são apenas a produtividade, a qualidade e a lucratividade os principais benefícios com esse modelo de gestão por que a Educação Corporativa está além dessa visão obsoleta! Dela depende a sobrevivência das organizações e, por consequência, dos próprios indivíduos em nossa sociedade atual.
Para concluir, quando se está diante de um estudo sobre Educação Corporativa, não se pode ignorar a presença da Educação e, logo, não significa apenas transmitir conhecimento ou capacitar o indivíduo. Significa promover um ambiente que estimule, oriente e auxilie o indivíduo no seu aperfeiçoamento pessoal de maneira que ele, como agente, também venha a contribuir com todo o processo que é dinâmico e contínuo.