Os progressos acelerados da biotecnologia que se acentuaram sobretudo a partir do final do século XX, nomeadamente em áreas como a engenharia genética, trazem à luz do dia inúmeras questões antes inexistentes, que suscitam e alimentam atualmente muitas dúvidas e controvérsias.
Uma das grandes questões que foi levantada recentemente foi: “Podendo, deveríamos selecionar geneticamente as características dos nossos filhos?”.
Os genes influenciam não só a saúde e a doença como também as características humanas e o comportamento humano. Atualmente, e de forma cada vez mais frequente, engenheiros genéticos encontram-se a estudar e a usar tecnologia que permite decifrar as contribuições dos genes para cada tipo de fenótipo e à medida que o vão fazendo, vão descobrindo uma variedade e um potencial completamente nunca antes imaginado ao nível da recombinação genética.
A manipulação genética levantou desde sempre muitas questões éticas e morais, sendo as mais amplamente discutidas aquelas que ao ser humano dizem respeito. Todavia, mesmo quando a ovelha Dolly foi clonada, ou de cada vez que ouvimos falar em milho transgénico, torcemos o nariz e deixamos escapar um esgar de incerteza, que confirma que a manipulação genética de qualquer tipo tem que ser muito bem fundamentada quando realizada.
Recentemente nos Estados Unidos surgiu a notícia de que já seria possível não só escolher o sexo do bebé mediante a seleção de determinados genes, como também a cor dos olhos ou o tipo de cabelo. O mediatismo levantou o véu das dúvidas e sem grande demora não se fizeram esperar reações que diziam que os cientistas estavam a desempenhar um papel que era da natureza, e não seu.
A ciência evoluiu muito nas últimas décadas e a manipulação genética, à parte de todos os argumentos éticos, permitiu o desenvolvimento de realidades que nunca antes se pensaram possíveis, como a criação de raças resultantes do cruzamento de espécies com determinadas características, o desenvolvimento de vegetais resistentes a determinadas pragas (organismos geneticamente modificados), mas sobretudo em termos humanos, a eliminação de doenças genéticas através da seleção de genomas.
Ao deparar-se com tantas possibilidades o Homem assusta-se e como tal surgem, a par das correntes pró-manipulação genética, que defendem o direito à utilização deste tipo de procedimento em prol da obtenção de descendências mais aptas, opositores fortes que se fazem valer dos seguintes argumentos:
- Ao manipular geneticamente determinados organismos poderão gerar-se substâncias perigosas de forma imprevisível devido a interações genéticas desconhecidas;
- Nenhum método de avaliação da concretização do processo é totalmente confiável, visto os avanços ainda serem diminutos;
- Novos e perigosos vírus/bactérias podem ser criados, com elevada resistência a antivirais e antibióticos;
- O custo deste tipo de manipulação é muito elevado não estando por isso à disposição de qualquer um, o que já por si aumenta o elitismo associado ao processo;
- Poderá gerar a longo prazo uma menor esperança de vida (como foi evidenciado no caso da clonagem da ovelha Dolly). Estas e outras objeções são todos os dias matéria de discussão na comunidade científica que se ocupa destes assuntos, sendo refutadas veementemente pelos defensores destes procedimentos, que alegam duas questões fundamentais:
- Nada na natureza é estático, e por isso não existe na realidade uma integridade de um organismo, pois ela é uma variável de estado, ou seja, não depende dele mas das características do estado em que se encontra.
- Quando um engenheiro genético manipula os genes dos organismos fá-lo em consciência de que a vida não passa de um conjunto de reações químicas, e por isso um gene fora do seu local habitual não é mais do que uma mera molécula. Eles não estão a operar seres mas sim a operar/manipular reações químicas em sistemas mecânicos sofisticados.
Dois pontos de vista, duas formas de visualizar uma mesma questão. O que lhes é comum é a inexistência de legislação específica que pode ou não validar mais opção do que a outra e que é sem dúvida um campo a explorar no futuro.
De forma geral a necessidade de controlo do homem remonta à sua básica condição de mortalidade, visto que a História da Humanidade foi desde sempre a História da busca da imortalidade. Desde os egípcios, aos gregos e romanos, a ideia de viver para sempre povoou o imaginário coletivo não só dos tempos antigos, mas também agora dos povos modernos, que são presentados com a possibilidade de selecionarem as características dos seus próprios filhos, gerando-os “à la carte”, desde que tenham orçamento para isso, é claro.
A resposta à pergunta inicialmente feita é difícil de dar e depende do interlocutor, pois a única coisa que é certa, é que o mundo é verdadeiramente composto por mudança e aquilo que vale hoje de rotina, poderá deixar de o ser amanhã. Deste modo, uma decisão que envolva manipular as nossas gerações futuras terá que ser necessária para um bem maior, porque de outra forma estaremos a incorrer num pensamento muito semelhante àquele que outrora matou milhares de judeus e que nos despiu da humanidade de sermos perfeitos na nossa imperfeição.