Já alguma vez pensou que estamos a chegar a um ponto, onde qualquer dia poderemos ser capazes de substituir partes do nosso corpo com a mesma eficácia com que se processa a mudança de peças num qualquer veículo automóvel? Se já parou para pensar sobre esta e outras questões relacionadas com a inovação em medicina, então já chegou à conclusão de que atualmente nos encontramos num patamar muito avançado de evolução, sobretudo porque atualmente a tecnologia de que dispomos nos permite um diagnóstico mais rápido, claro e mais eficaz de doenças.
As células estaminais e os tratamentos que com elas são feitos enquadram-se nas inovações que atualmente pautam o caminho da medicina tecnológica. Este tipo de células possuem características especiais, que lhes permitem originar diferentes tipos de células, autorrenovar-se e dividir-se indefinidamente. É como se fossem células de barro que se podem moldar e transformar noutras que precisamos. Em resumo, as células estaminais possuem propriedades únicas que permitem ao organismo reparar, regenerar e substituir células danificadas, assim como os respetivos órgãos, constituindo-se como um sistema de reparação do corpo, substituindo continuamente outras células.
Ao determo-nos nesta definição conseguimos compreender desde logo o potencial de aplicabilidade deste tipo de células, e o quão importante se podem tornar aquando da sua utilização em tratamentos de medicina.
Dado que conseguem regenerar-se é fácil começar a pensar em abordagens de regeneração de órgãos danificados, tratamento de doenças crónicas e degenerativas, sobretudo porque para este tipo de ocorrências existem atualmente poucas opções terapêuticas.
Em termos de credibilidade científica, os tratamentos com células estaminais ainda se encontram em fase de maturação, sobretudo no sentido de se conseguirem resultados comparáveis entre si, ainda que já existam provas da sua eficácia, nomeadamente no tratamento da leucemia. Todavia, o facto de existir um potencial vasto de aplicabilidade, que pode mudar a forma como se tem vindo a percecionar a medicina atualmente, chega a levar por vezes a que a ambição neste ramo se torne tão elevada, ao ponto de se forjarem alguns resultados de estudos científicos, como aconteceu no caso do Prof. Yoshiki Sasai, que acabou por se suicidar devido à pressão de ter sido descoberto.
Apesar de esta situação ter gerado grande desconforto e burburinho na comunidade científica nem tudo são maus exemplos. Atualmente encontram-se registados mais de 4000 ensaios clínicos fidedignos com células estaminais provenientes de várias fontes (sangue e tecido do cordão umbilical, medula óssea e tecido adiposo) em doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, auto-imunes e lesões da espinal medula (acidentes), entre outras, o que eleva em muito a esperança do sucesso de tratamentos no futuro para patologias mais graves.
Em termos práticos as células estaminais podem ser de três tipos – embrionárias, adultas ou mesenquimais.
As do tipo embrionário encontram-se no embrião humano e são classificadas como totipotentes ou pluripotentes, devido ao seu poder de diferenciação celular. Este tipo de células pode ser obtido através das células do cordão umbilical dos bebés, sendo possível criopreservá-las aquando do seu nascimento, a fim de obter uma garantia de que, ao serem precisas em caso emergente de doença grave, possam ser utilizadas e o risco de não compatibilidade ser praticamente eliminado.
As do tipo adulto encontram-se em tecidos como a medula óssea, sangue, fígado, cordão umbilical, placenta, e outros., mas ao contrário das primeiras, estas apresentam limitações na sua capacidade de diferenciação, o que leva a uma menor facilidade de obtenção de tecidos a partir delas, e por isso o seu uso é mais limitado (daí a vantagem da criopreservação aquando do nascimento).
Por fim, as do tipo mesenquimais fazem parte de células do estroma do tecido (encontram-se normalmente na medula óssea e tecido adiposo) e possuem a capacidade de se diferenciar em diversos tecidos, permitindo a sua regeneração, como é o caso de tecido ósseo, cartilaginoso, hepático, cardíaco e neuronal, sendo que uma das suas particularidades é possuírem uma poderosa atividade imunossupressora, o que abre a possibilidade de sua aplicação clínica em doenças auto-imunes e também nas rejeições aos transplantes.
Como se pode ver o potencial de inovação na medicina nunca pára de nos surpreender. Hoje estamos gravemente doentes e amanhã alguém pode dar mais um passo em direção à nossa cura.
Contudo, a verdade crua por detrás das maravilhas inovadoras das células estaminais é o preço a que elas são “vendidas”.
Dado que o seu uso ainda se encontra pouco regulado, e a sua extensão de utilização ainda ocorre apenas em casos excecionais (tirando os típicos casos de transplante de medula óssea, que também eles se constituem como um tratamento com células estaminais) este tipo de terapia acaba por possuir um valor muito elevado, não estando por isso disponível para qualquer pessoa que dele necessite. Por enquanto ainda se configura como uma terapia de elite, ou de desespero, quando nada mais há a fazer senão recorrer a ela, mesmo que para isso se contraiam dívidas.
A evolução tecnológica existe em medicina, todavia o seu custo não é para todos. É necessário que haja a consciência de que estes tratamentos são onerosos e infelizmente as maleitas que eles podem vir a tratar são de ocorrência cada vez mais comum.
Em resumo, e apesar de ainda haver um longo caminho a percorrer, o futuro da investigação e das terapias com células estaminais parece muito promissor. Ao longo da próxima década é expectável que alguns protocolos de terapia com células estaminais (dos que atualmente se encontram em fase de ensaios clínicos) venham a tornar‑se tratamentos, para doenças atualmente sem resposta, e pode ser que aí se consigam estabelecer também as métricas de custo adequado para que todos possam usufruir dos benefícios da sua utilização.