A relação entre Homem e natureza remonta a tempos imemoriais. Desde muito cedo que o Homem começou a utilizar a natureza em seu próprio benefício. Desde a constituição de grandes famílias nómadas, que oscilavam ao sabor do ritmo da natureza, até às comunidades recolectoras que aprenderam a usar os seus ciclos para seu proveito, passando pelas grandes civilizações construídas nas proximidades dos rios, o Homem soube como aproveitar aquilo que lhe havia sido dado de uma forma quase divina.
Desde o início da era do comércio e de toda a expansão que envolveu e aproximou pedaços de mundo que não se sabia existirem, até aos dias de hoje em que o ambiente que nos envolve já não é “natural”, ainda que dependa dos recursos daquilo que nos resta da natureza, houve quem tivesse decidido rumar contra a maré e tivesse começado a questionar-se sobre o estado da relação Homem-Natureza.
Ao longo de todo o desenvolvimento humano a relação foi sempre de dependência e em situações de dependência é frequente suceder-se que quem providencia os recursos se situa em posição mais favorável quando algo tende a correr mal. Pelo contrário, quem depende desses recursos, em situação de crise acaba por sofrer as consequências, geralmente de forma muito impactante. Mas será que a nossa relação de dependência foi sempre nefasta? Será que nunca ninguém a terá olhado de perto, ao ponto de perceber porque é que sempre dependemos dela? O que teria ela de tão especial para nos poder dar tanta coisa? Poderíamos nós, mais do que depender, aprender com ela?
Estas foram as questões colocadas por vários cientistas, engenheiros, e até designers, que ao longo dos anos se dedicaram a olhar para a natureza como uma fonte infinita de inspiração criativa para a humanidade. Dada a constatação de que os sistemas biológicos que nela residem são caracterizados pela sua complexidade, sensibilidade e flexibilidade, bem como pela sua capacidade de adaptar-se a ambientes em mudança, e pelo seu elevado grau de fiabilidade, confirmou-se que a natureza poderia oferecer uma larga amplitude de possibilidades para a satisfação das necessidades humanas de forma mais “natural”.
O biomimetismo acabou por surgir nestas condições, como uma mentalidade de cópia dos sistemas presentes na natureza e sua subsequente integração em procedimentos/processos industriais ou de conceção de produtos, de uma forma que, dada a sua existência na natureza, se pressupõe menos nociva para o ambiente.
As origens do conceito são algo dúbias, mas o primeiro fenómeno que dele resultou aconteceu de forma inesperada, quando em 1948 o engenheiro suíço George de Mestral e o seu cão davam o seu típico passeio matinal. Depois do passeio, George deteve-se por momentos a observar os cardos que se haviam prendido às suas calças e ao pelo do seu animal. Atento e de espírito aberto, George descobriu que as pequenas e “pegajosas” sementes vegetais dos cardos continham na sua estrutura minúsculos ganchos nas pontas. Após alguma pesquisa e análise mais profunda, inventou o velcro. Uma tecnologia tão simples mas tão promissora que a natureza lhe ofereceu por ser um admirador atento de todo o seu esplendor e potencial.
Esta foi a primeira invenção que se deveu ao biomimetismo. Mas tal e qual o Homem evolui, também a tecnologia por ele produzida evoluiu, sendo que as invenções geradas através do biomimetismo não se ficaram apenas pelo velcro.
Na área de cuidados com a pele e com o cabelo há uma série de modelos da natureza que são replicados. O “efeito de lótus” é um dos casos de biomimetismo que melhor foi sucedido nessa área, tendo sido aplicado em champôs e produtos de limpeza de pele.
No início da década de 70, o botânico alemão Wilhelm Barthlott apercebeu-se que a flor de lótus mantinha a sua superfície sempre limpa. Após uma análise do fenómeno compreendeu que o segredo residia nas micro e nanoestruturas cerosas. Devido ao ângulo de contato formado entre elas e a água, ocorria a formação de gotas que ao rolar levavam consigo toda a sujidade que se interpunha no seu caminho. Anos mais tarde, além da cosmética, também a patente de Barthlott foi aplicada por algumas empresas de tintas que ao recriar as micros saliências da flor de lótus conseguiram que a sua tinta repelisse a água e que fosse mais resistente a manchas.
Outro exemplo do potencial do biomimetismo é a estrutura das asas de borboletas. As borboletas utilizam as suas asas para interagir com a luz para produzir cor, tendo como objetivo não só possuir um sistema de camuflagem, como também de termorregulação e de sinalização. Este processo de interação tem vindo a ser copiado para a fabricação de pigmentos e tintas, de forma a prevenir a utilização de substâncias tóxicas (por exemplo em produtos de cosmética).
Muitos são os exemplos do biomimetismo onde a cópia da natureza oferece uma solução mais natural para determinados problemas de eficiência de processos do quotidiano.
Dentro desses exemplos são ainda de referir, não só pela extraordinária aplicação dos mesmos, mas também pela criatividade:
- os pavimentos de hospitais inspirados na constituição das barbatanas de tubarão, que devido à sua organização estrutural não permitem o alojamento de bactérias;
- o nariz do comboio de alta velocidade no Japão, que foi inspirado pela forma como a ave guarda-rios se alimentava com o seu bico de forma precisa sem produzir qualquer salpico de água;
- os adesivos ultra resistentes inspirados nas patas dos geckos;
- as turbinas inspiradas nas barbatanas de baleia que aumentam a sua eficiência e reduzem o atrito;
- os fatos de natação de alta competição inspirados na pele de tubarão que aumentam a eficiência dos seus utilizadores, causada pela facilidade de alinhamento das microestruturas com o fluxo da água.
No campo do design de embalagens também há uma série de modelos naturais que podem ser reproduzidos para ajudar a obter soluções que consumam menos recursos e que sejam simultaneamente reutilizáveis, recicláveis ou biodegradáveis.
O mesmo é válido para os processos produtivos, sendo que atualmente já existem estudos sobre simbioses industriais cujo objetivo é proceder tal como acontece na natureza: todos os ciclos são fechados e os resíduos de algumas atividades servem de matéria-prima a outras. Desta forma a pressão sobre os sistemas naturais torna-se mais reduzida, permitindo a transformação de materiais descartados em novas matérias-primas para novos compostos, permitindo assim que produtos de qualidade superior sejam produzidos com custos mais baixos.
O conhecimento da natureza tem vindo a permitir uma re-engenharia de processos que começaram por ser industriais e que agora começam a querer tornar-se naturais. A relação de dependência começa a ser substituída por uma relação de aprendizagem e cooperação. A forma como vemos aquilo que nos rodeia, está a começar a mudar e muitos são os esforços para que a verdadeira revolução verde aconteça. Não só está na altura de respeitar a natureza por tudo o que ela nos tem vindo a dar, como também está na altura de retribuir.