O plenário do Parlamento português foi, ontem, palco de um dos momentos mais simbólicos da democracia, a aprovação, na generalidade, da proposta do Orçamento do Estado para 2026. Um documento que reflete não só os números frios da economia, mas também as tensões políticas, as promessas e as desconfianças que atravessam a sociedade.
A proposta foi aprovada com o apoio dos votos favoráveis do PSD e CDS-PP, a abstenção do PS, PAN e JPP, e o voto contra de Chega, PCP, IL, Livre e BE. Um cenário que revela, mais uma vez, a fragmentação do arco parlamentário. O Chega, com a voz inflamada de André Ventura, não poupou críticas, “Bastará um André Ventura para limpar o PS para sempre”, disse, num tom que ecoou como um desafio lançado ao futuro.
Do lado oposto, o Bloco de Esquerda, acusou o governo de favorecer os bancos em detrimento dos serviços públicos, questionando, “Por que razão os bancos devem pagar menos impostos, enquanto todos nós pagamos a descida de impostos da banca com serviços públicos de menor qualidade?” Uma pergunta que ficou a pairar no ar.
O ministro das Finanças defendeu a proposta como “boa para o país”, enquanto a ministra do Trabalho anunciou que o salário médio será valorizado em mais 50 euros. Um alento para muitas famílias, mas que soou a pouco perante as críticas à carga fiscal e aos benefícios concedidos às grandes empresas.
O ministro da Economia, por sua vez, frisou a necessidade de “romper com a estagnação”, mas as vozes dissonantes não se calaram. O PCP acusou o governo de benefícios fiscais para as grandes empresas, enquanto o PS denunciou “inconsistências nas previsões” do OE2026.
O líder do BE, em tom de alerta, acusou PSD, Chega e PS de um “jogo perigoso” e de “farsas” que colocam em risco a coesão social. E o Chega, por sua vez, justificou o voto contra com uma frase que soou a desabafo, “Dá com uma mão e tira com a outra”.
O Que Vem por Aí?
O Orçamento segue agora para a discussão na especialidade, onde cada artigo será analisado em detalhe. Mas o que ficou claro ontem é que as divisões políticas são profundas, e as expectativas da população, entre a esperança de um salário mais digno e o medo de mais austeridade, estão mais vivas do que nunca.
Num país onde a memória de Salazar ainda é usada como arma retórica, e onde a sombra da crise económica se recusa a desaparecer, o OE2026 é mais do que um documento, é um retrato das escolhas que faremos nos próximos anos.