A memória do apagão que mergulhou Portugal e Espanha nas trevas no passado mês de abril ainda arde como uma ferida aberta. As ruas iluminadas apenas pelos faróis dos carros, os hospitais a correr contra o tempo, os semáforos apagados transformando as cidades em labirintos de incerteza. E agora, como um presságio que se repete, a Red Eléctrica de España (REE) volta a acender o sinal vermelho: “variaciones bruscas de tensión” no sistema elétrico peninsular, um risco iminente de novo apagão.
O aviso, lançado ontem pela operadora espanhola, não é um mero exercício de transparência, é um gigante grito de socorro. A REE, presidida por Beatriz Corredor, pediu reformas urgentes para evitar que a história se repita. Mas, entre linhas de protocolos e documentos burocráticos, o que se esconde é uma verdade incómoda, o sistema elétrico ibérico está à beira do colapso, e Portugal, mais uma vez, pode ser arrastado para a escuridão.
No dia 28 de abril de 2024, a Península Ibérica viveu um dos seus piores pesadelos energéticos. Um apagão massivo, provocado por uma cascata de falhas no sistema, deixou milhões de pessoas sem electricidade durante horas. Em Portugal, o impacto foi devastador, transportes paralisados, serviços essenciais interrompidos, e uma sensação de vulnerabilidade que ainda persiste.
Agora, a REE admite que as mesmas condições se repetem. “Variaciones bruscas de tensión”, causadas pela entrada massiva de energias renováveis não gestionáveis e pela lentidão de resposta das centrais convencionais, ameaçam desestabilizar o sistema. O que antes era negado, o impacto das renováveis na estabilidade da rede, é hoje assumido como um problema urgente. Em Espanha, já se lançou uma consulta pública para alterar protocolos com mais de 20 anos, mas o tempo urge. Cinco dias. Esse é o prazo acelerado para discutir mudanças que podem definir se as luzes permanecem acesas ou se voltamos ao caos.
A pressa tem um preço, as medidas propostas pela REE não são apenas técnicas, são um golpe na carteira dos consumidores. As alterações podem reduzir a competitividade do mercado e aumentar o custo da electricidade. Em tempos de inflação e crise económica, é um peso adicional que poucos podem suportar. Mas perante o espectro de um novo apagão, a escolha parece clara, pagar mais agora ou arriscar pagar um preço muito maior depois.
Em Portugal, a memória do apagão de abril ainda está fresca. A Península Ibérica partilha uma rede eléctrica interligada, e o que acontece em Espanha ressoa imediatamente do outro lado da fronteira. Se a REE falhar, o sistema português não ficará imune.
O problema não é a energia renovável em si, mas a forma como é integrada. A REE aponta o dedo à “elevada concentración en determinados puntos” do país, onde parques eólicos e solares injectam energia de forma intermitente e difícil de controlar. Em abril, a falta de grupos convencionais ligados à rede foi apontada como um factor agravante. Agora, o operador espanhol pede que se travem as “rampas” de produção renovável, ou seja, que se limite a velocidade a que estas fontes entram no sistema.
Mas aqui reside o paradoxo, Espanha e Portugal apostaram forte nas renováveis como solução para a crise climática. Agora, descobrem que a transição energética não é um caminho linear, mas um equilíbrio frágil entre ambição e segurança. Se as renováveis não forem geridas com precisão, o sistema entra em colapso. Se as centrais convencionais, muitas delas a gás, não responderem a tempo, o mesmo acontece.
O Governo português tem-se limitado a acompanhar os desenvolvimentos, mas a verdade é que Portugal não tem controlo sobre a rede espanhola, se Madrid falhar, Lisboa apaga-se.
O relatório final sobre o apagão de abril só será conhecido no primeiro trimestre de 2026. Até lá, vivemos na incerteza. A REE pede medidas temporárias, mas já admite que podem ser prorrogadas. Será este o novo normal? Um sistema eléctrico à beira do colapso, onde a luz pisca como um aviso de que algo está errado?
O Que Pode Ser Feito?
Cooperação Ibérica Urgente, Portugal e Espanha devem criar um plano de contingência conjunto, com protocolos claros para actuar em caso de falha. Não basta cada país gerir a sua rede, é preciso uma estratégia peninsular.
Investimento em Armazenamento, as renováveis são intermitentes, mas a tecnologia de armazenamento (como baterias) pode suavizar os picos de tensão. É hora de acelerar esses projectos.
Transparência com os Cidadãos, os governos devem explicar claramente os riscos e as medidas em curso. O povo tem o direito de saber se a luz pode apagar-se outra vez.
Revisão dos Protocolos, se os procedimentos actuais têm 20 anos, é sinal de que estão desactualizados. A transição energética exige regras novas, ágeis e adaptadas à realidade actual.
A Luz no Fim do Túnel?
A energia é mais do que electricidade. É segurança, é desenvolvimento, é vida. Quando as luzes se apagam, não é apenas a economia que para, é a confiança das pessoas que se desvanece.
Espanha e Portugal têm uma escolha, actuar agora, com coragem e coordenação, ou esperar que a próxima falha os mergulhe novamente nas trevas. A história não perdoa quem ignora os avisos. E este, mais do que um comunicado técnico, é um grito de alerta que não pode ser ignorado.